Quem não conhece o sésamo ou gergelim? Essa pequena semente é usada no revestimento de pães, em saladas, como gersal, homus e tahine, na forma de óleos, margarinas, em doces como halawi, barrinhas de gergelim e diversos outros produtos. Até poucos anos atrás, sua produção no Brasil era muito limitada, concentrada sobretudo em pequenas propriedades no Nordeste. Nesta década, o gergelim emergiu como cultivo mecanizado em Mato Grosso e outros estados. Ele substitui o milho safrinha e diminui o risco de perdas por falta de chuvas, quando o período de plantio do milho já se encerrou.
O gergelim ou sésamo (Sesamum indicum) é uma planta anual da família Pedaliácea. Foi a primeira planta da história utilizada na produção de óleo vegetal, antes da oliveira. O gênero Sesamum contém cerca de 23 espécies selvagens, a maior parte africana. Oito são do subcontinente indiano e, delas, Sesamum indicum var. malabaricum, do nordeste da Índia, e Sesamum mulayanum, da costa oeste e sul, estão na origem do gergelim cultivado.
Os restos arqueológicos mais antigos de gergelim foram encontrados na Bacia do Indo (entre 2250 e 1740 a.C.). No Próximo Oriente, os restos são raros e tardios: no reino de Urartu, na Armênia (de 900 a 600 a.C.), e em datas idênticas em Bastan, no Irã, e na Jordânia (800 a.C.). A história do gergelim no Egito é controversa. Seu nome nos hieróglifos ainda não é certo, mas sementes foram encontradas na tumba de Tutancâmon (1343 a.C.). Os textos védicos do Atharvaveda (de 1200 a 1000 a.C.) mencionam o gergelim (तिल tila). O termo sânscrito taila (óleo vegetal) se refere ao óleo de gergelim na literatura ayurvédica, como no Tratado Charaka Samhita.
Para o historiador e geógrafo grego Heródoto (485-425 a.C.), o gergelim era produzido no Império Persa, e os babilônios “não usam azeite, mas extraem uma gordura [aleifar] do gergelim”. O filósofo e botânico Teofrasto (372-287 a.C.) descreveu a planta. O enciclopedista romano Plínio (23-79 d.C.) indicou o gergelim como originário da Índia e citou vários usos medicinais: contra vômitos, inflamações e queimaduras (História Natural 15, XXII, 132). Em A Culinária (De Re Coquinaria), o gastrônomo romano Apício (Marcus Gavius Apicius, 25 a.C.-37 d.C.) dá uma receita com gergelim torrado.
A palavra portuguesa “gergelim” provém do árabe vulgar jiljilan, derivado do árabe clássico ģulģulãn. Esse termo só permaneceu no português e no maltês ġulġlien, segundo minhas pesquisas. A outra denominação em português, “sésamo”, é quase universal. É a mesma em inglês, francês, norueguês, espanhol, alemão, turco, tcheco, filipino, samoano etc., e até no árabe moderno (simsim). A palavra vem do latim sesamum e do grego sēsamon, derivados do semítico acadiano šamaššamu, e significa literalmente “planta de óleo”. O mesmo em ugarítico e fenício ššmn; árabe simsim (سمسم ;(aramaico šumššumā (שומשומא ;(e hebraico sumsum (וםּשׂומּשׂ(.
Há algo de sagrado no sésamo. A palavra hebraica é como uma duplicação de shem (שםֵׁ(, o Nome, ou seja, Deus, presente em tantas expressões da fé judaica e cristã (“Em Nome”, “o Santo Nome”, “Bendito o Nome”…). A cabala lê em suas letras shem-shamaim ou “Nome dos Céus”. A Mishnah inclui o óleo de sésamo (shemen sumsum) entre os mais indicados às luzes do shabath.
As sementes de gergelim ricas em lipídios são usadas cruas, trituradas ou torradas na culinária e na confeitaria ou na forma de óleo vegetal comestível sem refino. Entre as variedades de gergelim, as sementes brancas e creme têm alta e crescente demanda devido ao seu consumo tradicional na Ásia e no Oriente Médio, e ao crescimento da população e da renda nesses países. Seu uso é cada vez mais relevante na Europa, América do Norte e outras partes do mundo em culinária (óleo de gergelim torrado); pastelaria (biscoitos de gergelim); panificação (tostado e descascado na decoração de pães e pãezinhos para hambúrgueres, bagels de gergelim); no homus com tahine; e nas bebidas e “leites” vegetais (sesame milk).
Rico em proteínas, sais minerais, o gergelim tem funções antioxidantes, ajuda no controle do colesterol, reduz o apetite e é muito utilizado na dieta de vegetarianos e veganos. Um conjunto de receitas culinárias, completo e convidativo, da Sésamo Real ilustra o gergelim nas diversas cozinhas do planeta. Além do setor agroalimentar, entre usos industriais, o gergelim tem aplicações em cosmética e farmacêutica, na produção de vernizes, tintas, sabões e xampus.
O gergelim é cultivado em mais de 70 países, sobretudo na Ásia e na África. Índia, Mianmar e China respondem por mais de 50% da produção mundial, próxima de 4 milhões de toneladas por ano, em cerca de 7,5 milhões de hectares. No Brasil, a área plantada cresceu mais de 20 vezes nos últimos dez anos. As empresas de sementes, fomento e comercialização do gergelim assumiram riscos e tiveram um papel decisivo nesse crescimento. Hoje, estimam em mais de 300 mil hectares a área cultivada em 2023. Cerca de 100 mil hectares estão no município de Canarana, no Vale do Araguaia. Mato Grosso é o maior produtor, seguido pelo Pará, Tocantins e Rondônia, e agora até Roraima experimenta essa opção. O cultivo certificado orgânico também se desenvolve em seis estados no semiárido, em geral sem mecanização.
O gergelim é uma cultura tolerante à seca, de ciclo curto. Apesar da relativa facilidade
agronômica do cultivo, ao ser plantado em rotação ele se beneficia de adubações e tratos de culturas anteriores. Com a intensificação e a expansão de áreas, o cultivo traz cada vez mais novas exigências técnicas.
Para quem teve atrasos na safra de verão e perdeu a data ou a janela de plantio do milho de segunda safra, o gergelim representa uma excelente alternativa. Em áreas com solo arenoso ou mesmo em regiões onde o cultivo do milho apresenta risco em qualquer situação, o gergelim também se encaixa bem. Para quem busca diversificar sua produção, além de soja e milho, a opção do algodão, por exemplo, exige investimentos, novas máquinas e tem alto custo. Já o gergelim pode ser cultivado com os equipamentos da soja, com ajustes; agronomicamente não é difícil, não exige altos investimentos, e sua introdução na rotação de cultivo contribui até no controle de nematoides.
O Instituo Agronomico de Campinas desenvolveu diversas variedades e fornece instruções agrícolas ao cultivo do gergelim. A Embrapa Algodão também orienta com tecnologias e através do zoneamento agrícola do gergelim. Seu programa de melhoramento genético já desenvolveu cultivares como BRS Seda (ramificada); BRS Anahí (haste única, com alto teor de óleo: 52%) e BRS Morena (pouco ramificada). A maior parte do gergelim em sistemas intensificados (88%) é da variedade K3, semideiscente (originária dos Estados Unidos, via Paraguai). Seu grão, amargo, é exportado para a fabricação de óleo. O gergelim preto é pouco cultivado (menos de 5%), apresenta muita perda na colheita devido à deiscência e atende um mercado gastronômico gourmet (confeitaria e panificação), como a BRS Morena, marrom-avermelhada.
O cultivo enfrenta desafios no plantio. A preparação do leito de semeadura é exigente. Ela não pode ser profunda e deve propiciar bom contato entre solo e semente. Se na colheita da soja, anterior ao plantio do gergelim, não houver a devida regulagem das colhedoras para picar bem a matéria seca e garantir boa distribuição no solo, haverá problemas na germinação e na emergência. A pequena dimensão da semente dificulta o plantio com máquinas, concebidas para sementes maiores. Já existe no mercado a semente peletizada. Ela adquire um tamanho próximo ao do sorgo e funciona melhor na plantadeira.
Em poucos anos, o Brasil emergiu entre os exportadores de gergelim para Ásia e Oriente. A Índia é o maior comprador e tem no Brasil seu terceiro fornecedor.
O país é também o segundo fornecedor da Arábia Saudita
O poder germinativo das sementes pode ser baixo (de 70% a 75%) e é muito variável entre lotes. Raros agricultores testam o poder germinativo das sementes antes do plantio. O poder germinativo e a qualidade dos grãos dependem muito do tipo de colheita. Há soluções, ainda pouco exequíveis em grande escala. A colheita manual de sementes, sem dessecação das plantas, garante um poder germinativo de 90% a 95%.
O crescimento inicial do gergelim é lento. A competição de plantas daninhas tem forte impacto na população de plântulas e na produção. O cultivo exige uma boa dessecação das adventícias antes do plantio e seu controle atento no arranque inicial. A produtividade média varia muito, entre 550 e 850 quilos por hectare. Poderia ser mais de 1 tonelada por hectare, como já conseguem os produtores mais tecnificados, não fossem os percalços em todo o ciclo: a operação de semeadura, o plantio tardio, a dificuldade de controle das plantas daninhas e, sobretudo, as perdas na colheita, o maior problema do cultivo mecanizado.
As variedades disponíveis ainda são muito deiscentes: na maturação, as sementes destacam-se, caem e empilham-se nas cápsulas abertas. O vento, a plataforma de corte das colhedoras, o sistema de trilha, a ventilação para limpeza de impurezas nas peneiras… tudo concorre para perdas no solo. As colhedoras são as da soja, com ajustes mecânicos. Alguns agricultores em Mato Grosso buscam produzir, em colaboração com indústrias de máquinas agrícolas, equipamentos mais adequados à colheita. Sem empreendedorismo do agricultor, há pouca inovação. No caso, os produtores induzem a inovação, e não o contrário. Esse movimento e a necessária obtenção de variedades indeiscentes, com retenção placentária das sementes, são essenciais para rendimentos superiores a 1 tonelada por hectare.
A demanda global por gergelim segue em forte expansão, com crescimento da ordem de 4% ao ano, em volume e valor. O preço médio entregue no exterior é da ordem de US$ 1.200 a 1.400 por tonelada, e o valor entregue ao produtor é de cerca de US$ 1 mil. Em poucos anos, o Brasil emergiu entre os exportadores de gergelim para Ásia e Oriente. A Índia é o maior comprador e tem no Brasil seu terceiro fornecedor. O país é também o segundo fornecedor da Arábia Saudita. A exportação à Turquia, de US$ 6,2 milhões em 2020, aumentou mais de dez vezes em relação a 2016. O Brasil é o quinto maior fornecedor do mercado turco, e a Turquia é o quarto maior destino do gergelim nacional. Já exporta para Singapura, Vietnã, Grécia, México e outros, num total de mais de 30 países. A abertura do mercado chinês, maior importador, está em estágio avançado. O Brasil, com o dinamismo do agronegócio e a modernidade da produção mecanizada, tem condição, em futuro próximo, de atender de 30% a 40% do mercado mundial de gergelim. Talvez mais. Não é fábula. É mais uma caverna de tesouros aberta pelo profissionalismo de produtores, empresas de sementes, fomento e comercialização, e pesquisadores: Abre-te, sésamo!
Fonte: https://revistaoeste.com/revista/edicao-177/gergelim-saudavel-rentavel-e-promissor/