Canadá – França recolhe Lentilhas canadenses e expõe tensões comerciais em meio a debate sobre pesticidas no Canadá

Por: Com informações de National Observer,

17 de dezembro de 2025

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O recolhimento de Lentilhas canadenses no mercado francês reacendeu tensões entre as ambições comerciais do governo Carney na Europa e a proposta de flexibilização das regras de avaliação de pesticidas no Canadá. Observadores do setor afirmam que o episódio evidencia um conflito crescente entre interesses econômicos e padrões de segurança alimentar exigidos pela União Europeia (UE).

A controvérsia ganhou força após uma investigação conduzida no mês passado pelo jornalista Hugo Clément, da emissora France 5. O levantamento identificou resíduos dos pesticidas glifosato e diquat em lentilhas canadenses comercializadas em grandes redes de supermercados na França. Embora os níveis de glifosato detectados estivessem abaixo do limite máximo permitido pela UE — patamar elevado em 2012 durante negociações comerciais sob pressão do Canadá —, a presença de diquat gerou alerta imediato.

A União Europeia proibiu o uso do diquat em 2019 e mantém restrições rigorosas ao glifosato, citando riscos à saúde humana. No Canadá, ambos os produtos seguem autorizados, inclusive para aplicação próxima à colheita, prática vedada pela UE por resultar em elevados resíduos químicos nos grãos.

As conclusões da investigação repercutiram amplamente. Um vídeo promocional divulgado por Clément no Instagram alcançou centenas de milhares de visualizações, além da audiência televisiva. Na esteira do caso, a agência francesa de segurança alimentar determinou o recolhimento de duas marcas de Lentilhas canadenses, apontando riscos associados a pesticidas.

No Canadá, veículos de comunicação francófonos, como La Presse e Radio-Canada, deram destaque ao episódio. Já a imprensa de língua inglesa tratou o tema de forma mais discreta, apesar da relevância econômica das Pulses para os agricultores das pradarias canadenses.

Em resposta, um porta-voz do Ministério da Agricultura e Agroalimentação do Canadá (AAFC) afirmou ao National Observer que as culturas canadenses, incluindo Pulses, “apresentam resultados consistentemente abaixo dos Limites Máximos de Resíduos (LMRs) da UE”. Segundo o ministério, as Lentilhas analisadas no documentário estavam dentro dos padrões europeus.

A Pulse Canada, entidade de representação do setor, também declarou ao National Observer que os testes “confirmam que as Lentilhas canadenses continuam atendendo aos rigorosos padrões de segurança da UE”.

O Canadá é atualmente o maior fornecedor de Lentilhas para a França. Nesta safra, os agricultores canadenses cultivaram cerca de três milhões de toneladas do grão, tendo a Europa como um de seus principais mercados, atrás apenas de países como Índia, Turquia e Emirados Árabes Unidos.

Para especialistas, o episódio pode ter consequências mais amplas. “Se os europeus passarem a acreditar que há riscos no consumo de produtos importados do Canadá, isso compromete diretamente a estratégia do governo de ampliar parcerias comerciais”, afirmou Sean O’Shea, especialista em políticas públicas e campanhas da organização Ecojustice.

A reação europeia ocorre em um momento sensível, em que o governo Carney avalia mudanças regulatórias que, segundo críticos, podem enfraquecer o controle sobre pesticidas no país. As propostas incluem o fim das reavaliações periódicas desses produtos e a redução das exigências para que empresas mantenham registros ativos no mercado.

Entidades ambientais e de saúde pública classificaram as medidas como uma tentativa “discreta, porém profunda” de flexibilizar as normas canadenses, transferindo maior poder discricionário às autoridades reguladoras. Em entrevista ao The Western Producer, Pierre Petelle, presidente e CEO da CropLife Canada, afirmou que a proposta do governo pode representar uma mudança “potencialmente significativa” para o setor.

Já a Agência Reguladora de Gestão de Pragas do Canadá (PMRA) sustenta que as alterações tornariam os processos mais eficientes, ao mesmo tempo em que reforçariam o monitoramento ambiental e sanitário.

Críticos, no entanto, lembram que as preocupações não são novas. Desde 2000, relatórios parlamentares apontam proximidade excessiva entre o órgão regulador e a indústria de pesticidas. Uma investigação recente do National Observer indicou que a agência tende a favorecer a manutenção do uso desses produtos, mesmo diante de evidências de impactos negativos.

“Não é o momento de desregulamentar”, alertou O’Shea, destacando que o aumento do escrutínio europeu sobre resíduos químicos eleva o risco comercial para o Canadá.

A chefe de campanhas sobre glifosato da organização Vigilance OGM, Laure Mabileau, classificou como “estarrecedora” a proposta de encerrar as reavaliações regulares de pesticidas, afirmando que a medida pode fechar portas no mercado europeu.

Documentos internos do AAFC obtidos pelo National Observer mostram que alertas semelhantes vêm sendo feitos há anos. Em 2023, o então analista David Cox advertiu que limites mais rígidos impostos por outros países poderiam levar à proibição de culturas canadenses contaminadas por pesticidas, desencadeando uma crise no setor agrícola.

As lentilhas e outras Pulses têm histórico de controvérsias nesse campo. Em 2021, o regulador canadense tentou ampliar os limites de resíduos permitidos em diversas culturas, incluindo Pulses, após pressão da multinacional Bayer. A reação pública levou à suspensão da medida e à abertura de uma reavaliação regulatória de quatro anos.

Para especialistas, a divergência entre os modelos regulatórios do Canadá e da UE — baseados, respectivamente, na avaliação de risco e no princípio do perigo — pode limitar o acesso canadense a mercados além dos Estados Unidos.

“Há muitos produtos ainda permitidos no Canadá, em alinhamento com os EUA, que são totalmente proibidos na União Europeia”, afirmou Sabaa Khan, diretora da Fundação David Suzuki para Quebec e Canadá Atlântico.

Com informações de National Observer

https://www.nationalobserver.com/2025/12/03/news/france-canada-lentils-recall-pesticide

 

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